sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Os pobres de espírito

Já mencionei de leve em post anterior a interpretação para este trecho do Sermão da Montanha, também conhecido como o sermão das bem-aventuranças, já que Jesus sempre começava suas frases no discurso com "Bem-aventurados...". No caso específico que vamos tratar hoje, a passagem seria "Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus". Consta em Mateus, capítulo 5, versículo 3, ou, na simbologia bíblica, 5:3. Em algumas transcrições, troca-se pobres de por pobres em. Em Lucas, 6:20, o espírito desaparece da frase: "Bem-aventurados vós que sois pobres, porque vosso é o Reino de Deus!".
     Seja como for, a ideia central da mensagem aqui não é a de desqualificar o espírito. Rebaixá-lo como algo inferior. Ao contrário. A palavra "pobres" tem a conotação de pessoa humilde. Como explica Paulo Alves de Godoy no livro Os Quatro Sermões de Jesus, os orgulhosos preocupam-se com o mundo material e se acham superiores. Já os mais simples entendem esta questão como secundária e que o importante é a reforma íntima para alcançar a elevação no mundo espiritual.
     Alguns filósofos vão mais fundo na questão. O monge Anselm Grün cita dois deles em seu livro Bem-aventuranças. Caminho para uma vida feliz. São considerados pensadores místicos, por procurarem na época em que viverem, na Idade Média, uma abordagem mais humanística das palavras de Jesus. Para Mestre Eckhart, o pobre em espírito seria quem não quer nada, não sabe nada e não tem nada.Afinal, nada nos pertence, nem uma pessoa, nem nossa casa, nem nossa vida. Podemos desfrutar disso por um tempo, mas tudo foi emprestado. É uma maneira elegante de não dar a mínima para o acúmulo de bens. Afinal, você é livre e não precisa ficar preso na neurose da acumulação de coisas.
     Outro filósofo místico, Gregorio de Nissa, explicava que quem sem livrava da riqueza ficava mais leve para poder se elevar para o alto. A pobreza interior nos eleva a Deus, enquanto as posses nos empurram para baixo. Grün arremata todas essas considerações ao explicar que a "primeira bem-aventurança é um caminho para a liberdade interior e, assim, para a verdadeira felicidade." O mote aqui seria o desprendimento.
     E ele finaliza o capítulo contando a fábula alemã João Sortudo. O personagem ganha uma barra de ouro, mas por ser muito pesada, ele troca por um cavalo. Este por sua vez é muito bravo e João não consegue controlá-lo. Aí ele faz outra troca e tem agora uma vaca. Depois vem um porco, um ganso e uma pedra de amolar. Até que um dia esta pedra cai na água e ele não tem mais nada. Justamente nesta hora ele começa a dançar e cantar porque sua felicidade não depende de posses, prazeres  e sucessos. Está grato pela vida e feliz por ser capaz de desfrutar dela. A pobreza de espírito seria para Grün simplesmente viver, sem pretensão, aproveitar cada instante e estar grato por aquilo que existe. Só isso basta.
   
Leia também:
Compreendendo Jesus
Por parábolas
Bem-aventuranças: o sermão
Os tristes felizes
Os amáveis
Os famintos

0 comentários: