terça-feira, 16 de novembro de 2010

Análises apressadas

O falecido jornalista Aloysio Biondi tinha uma frase lapidar sobre algumas notícias e análises publicadas pela imprensa. Dizia ele que essas "informações" serviam para deformar a opinião pública e não informar ou formar. As primeiras análises sobre o resultado das eleições partia deste mesmo pressuposto. Vamos deformar a opinião pública fazendo-a acreditar que metade do Brasil, aquele dito rico e poderoso, votou no PSDB e o "resto", no PT. Na análise correta de Marcos Coimbra, diretor do instituto Vox Populi, as coisas não são bem assim. Vale a pena ler este texto publicado na edição desta semana da sempre ótima Carta Capital.


Os tons do azul
Marcos Coimbra


Quase toda a imprensa usou mapas coloridos nas representações dos resultados da eleição presidencial. E, por razões evidentes, foi consenso pintar de vermelho os estados onde Dilma Rousseff ganhou e de azul aqueles em que José Serra se saiu melhor.


É um procedimento que ajuda a visualizar o que aconteceu, mas que leva a diversos equívocos. O mais grave é dar a impressão de que fomos “dois Brasis” na eleição: na metade- de baixo (Sul, Sudeste e Centro-Oeste), predominando o azul e, na de cima (Nordeste e Norte), o vermelho.

Como todo mundo sabe que a parte azul é mais rica e moderna e a vermelha mais pobre e atrasada, a impressão provocada por mapas desse tipo é de que o Brasil desenvolvido foi derrotado pelo subdesenvolvido. Se dependesse do primeiro, Serra seria o presidente. Inversamente, dos mapas emerge a conclusão de que Dilma venceu à custa da pobreza.

Mas é possível ir adiante nessa cartografia, buscando os matizes de cada cor. Por meio deles podemos identificar os nichos mais típicos de cada candidato, os lugares onde o azul é mais azul e o vermelho mais vermelho. É neles que o serrismo e o dilmismo atingiram seu auge e sua essência ficou mais clara.

Os da presidente eleita são fáceis de antecipar: Dilma alcançou seu máximo nos bolsões de extrema pobreza do interior do Nordeste. Lá, onde o Bolsa Família cobre quase toda a população, ela ultrapassou 90% dos votos, esmagando o adversário.

Que bela e convincente maneira de demonstrar que, quanto maior a pobreza, maior a derrota de Serra, maior a vitória do “paternalismo” sobre a “modernidade”, do analfabeto sobre o educado. O que deixa o quadro menos arrumado e complica a versão fácil que empolga os setores conservadores é que o serrismo tem uma geografia que desafia essa explicação. Pois, se o vermelho se acentua de forma previsível, o azul fica mais carregado em lugares inesperados. Em outras palavras, o voto Serra chegou ao ápice em municípios e regiões que de modernos e educados não têm nada.

São várias as explicações para o fato de o Acre ter sido o paraíso do serrismo. Não foi em São Paulo, onde ninguém estranharia que vencesse por larga margem, nem nas partes mais tradicionais do País que ele teve sua melhor performance. Foi lá, longe do “Sul Maravilha”, que Serra obteve mais que o dobro dos votos da petista, venceu em todos os municípios (salvo em Feijó) e está o município mais serrista do Brasil, Porto Acre, cidade miserável e de baixos níveis de escolaridade, onde suplantou Dilma por uma vantagem amazônica.

A versão mais corrente é que o petismo acriano seria responsável pela catástrofe. Depois de 12 anos no poder, o eleitorado teria mostrado, pelo voto em Serra, sua insatisfação com os irmãos Viana e seu grupo. Hipotéticas evidências são arroladas para sustentar a tese, desde desgastes com o funcionalismo público estadual a críticas ao modo como dialogam com a mídia.

O problema desse raciocínio é que tanto Tião Viana se elegeu governador quanto Jorge Viana senador. Ou seja, os acrianos teriam se comportado de maneira totalmente esdrúxula: para protestar contra os dois, os elegeram, mas derrotaram a candidata a presidente que apoiavam. Não seria muito mais lógico impedir que continuassem a administrar o estado?

Para complicar o “mistério acriano” e colocar sob suspeita as explicações localistas, Marina Silva também perdeu para Serra, apesar de “filha da terra”. E, em outros estados do “corredor do agronegócio”, houve vários resultados que sugerem que a avaliação de quem apoiava Dilma não teve efeito no voto que ela recebeu. Blairo Maggi, por exemplo, foi um dos campeões de voto para o Senado, elegeu seu candidato ao governo do Mato Grosso, mas viu Dilma perder.

Não foram fatos locais que explicaram o que aconteceu no Acre e nos demais estados vencidos pelo tucano. Também não foi uma oposição “Brasil moderno” vs. “Brasil arcaico”, como ilustram amplamente os casos do Acre e de Porto Acre. Não foi a educação que deu votos a Serra e a ignorância a Dilma.

Serra venceu onde venceu por fatores ideológicos (exceção de São Paulo, onde o bairrismo teve influência). Não foi um voto explicado pela sociologia (ou a geografia), mas pela política.

No Brasil inteiro, foi basicamente o eleitor antipetista, em mui-tos casos anticonservacionista, anti-indigenista e “antimovimentos sociais”, a favor da “agenda moral” e dos “valores tradicionais” que votou em Serra. Foi o eleitor de direita. No Sul e no Centro-Oeste, chegando ao Acre e a Roraima, ele era maioria, ainda que pequena. Por isso, Serra venceu nessas regiões. E perdeu no País, onde esse voto é minoria.

O predomínio do voto de direita no Acre é algo que merece estudo. Mas o certo é que Tião e Jorge Viana estão de parabéns pela vitória que tiveram em um estado que se inclinou tanto nessa direção. Sua votação mostra que, apesar disso, o eleitorado do Acre reconhece o trabalho que fizeram em benefício do estado.


Marcos Coimbra é sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Aceitar a derrota

Este post faz uma ligação com o de ontem. Não se trata da imprensa, mas de outro personagem da eleição: a oposição. Os tucanos que antes se apresentavam como social democratas neste ano soltaram a franga e deram uma guinada à direita radical. Com isso, acabou açulando o que há de mais conservador e reacionário em parte de nossa pacata sociedade. Os sinais da abertura da caixa de pandora estão por aí cada vez mais escancarados na versão de preconceito e de intolerância. O escritor e jornalista Zuenir Ventura escreveu um artigo muito lúcido sobre este tema na edição de sábado de O Globo que vale a pena ser lido.



ZUENIR VENTURA - O exemplo de Obama
O Globo
06/11/2010
Ao contrário do presidente Barack Obama, que com invejável franqueza aceitou a derrota, confessou-se humilhado e assumiu a responsabilidade pela "surra", reconhecendo sua culpa, os perdedores daqui estão tendo grande dificuldade de admitir a derrota nas últimas eleições. O chororô comporta todo tipo de alegações para desqualificar a vitória de Dilma Rousseff — algumas até fazem sentido, mas outras são justificativas ridículas, desculpas esfarrapadas.
O candidato José Serra chegou a transformar sua frustração em "vitória estratégica", mas pelo menos não tentou diminuir o mérito da adversária.
Em compensação, foi estranha a reação de certos dirigentes da oposição e de torcedores inconformados. Houve quem alegasse que "Dilma não se elegeu, foi eleita por Lula", como se essa simplificação explicasse tudo. E houve quem afirmasse que a candidata do PT ganhou porque os seus 55 milhões de eleitores têm desprezo pelos valores éticos ou, mais precisamente, por terem "assassinado a ética".
A disputa teria sido um jogo maniqueísta entre um lado onde só houvesse o bem e outro onde só existisse o mal, com derrota do bem, claro.
Malabarismo maior fez outro observador, ao concluir que a expressiva votação de Serra, somada aos votos brancos, nulos e ao alto nível de abstenção, "deixa clara a insatisfação da maioria do povo não só com ela, mas também com o próprio Lula". Por esse raciocínio, que considera todos esses votos serristas, Serra teria sido o verdadeiro vencedor das eleições, não sua adversária. É o time daqueles que, por não gostarem de Lula, acham um absurdo 80% gostarem. Como pode ser tão popular se eu não o apoio?
A derrota às vezes não só obscurece a razão como mobiliza baixos instintos, como os dessa tal estudante de Direito Mayara Petruso, de SP, que postou no seu twitter a mensagem racista contra o Nordeste: "Nordestino não é gente, faça um favor a SP, mate um nordestino afogado."
Os ataques de xenofobia da futura advogada — advogada, imagine! — provocaram polêmica nas redes sociais e o repúdio da OAB. E a reação bem-humorada de um pernambucano em meio à indignação: "Eles elegem o Tiririca e vêm nos chamar de atrasados!"
Em vez de tentar tapar o sol com a peneira, seria mais honesto e realista responder como fez o brasilianista Timothy Power, quando lhe pediram para explicar a vitória de Dilma: "O padrão de vida de muitos brasileiros melhorou nestes últimos oito anos de governo, e as pessoas quiseram uma continuação."
Ou então se render ao óbvio, como fez Obama, adotando um mea culpa: perdemos porque não soubemos vencer. Simples assim.

domingo, 7 de novembro de 2010

Quem controla a imprensa?

Com certeza este será um tema que irá dominar as discussões nos próximos meses aqui no Brasil. A maneira como parte da imprensa se comportou nestas eleições, em especial Veja, Globo, Folha e Estado, foi a gota d'água para que a sociedade brasileira começasse a se mexer em direção a pedir algum tipo de controle para evitar abusos nocivos à democracia por parte dos órgãos de imprensa. Particularmente acredito que só a abertura para que o capital estrangeiro possa ter o controle majoritário de uma empresa de comunicação em nosso País colocará fim nos desmandos deste que é, sem dúvida, o último bastião do atraso e do corporativismo no Brasil. Precisamos ter mais empresas de comunicação relevantes por aqui e acabar com este feudalismo midíático representado pelos Civita, Frias, Marinhos e Mesquitas. Bom, abaixo artigo muito interessante e bem escrito do jornalista Paulo Nogueira sobre este assunto publicado no site http://www.diariodocentrodomundo.com.br/.

QUEM FISCALIZA O FISCAL?

Paulo Nogueira

Há, na Inglaterra, uma guerra fria entre os políticos e os jornalistas que cobrem política. Os políticos entendem que os jornalistas não receberam mandato da sociedade – votos, em suma – que lhes dê legimitidade nos comentários ou nos debates.

Em seu bom livro sobre jornalismo, My Trade, ou Meu Ofício, Andrew Marr, editor de política da BBC, detém-se longamente nesta discussão. Há alguma coisa nela, feitas as devidas adaptações, que vale para o Brasil.

Quais os limites do jornalismo e dos jornalistas?

Vejamos a Folha de S. Paulo, por exemplo. Ela procura se colocar, em editoriais e em publicidade, como uma espécie de fiscal sagrado dos governos. Tudo bem. Mas é preciso não perder de vista que ela não recebeu essa incumbência da sociedade.

o foi votada. Não foi eleita.

Fora isso, existe fiscal que não é fiscalizado?

Jornalismo é, como todos os outros, um negócio. Em geral, quem investe em jornalismo não está atrás de dinheiro. Os lucros não costumam ser grandes. O que o jornalismo dá é prestígio, influência. Empresários interessados em recompensas mais palpáveis fazem suas apostas em outras áreas. No começo da década de 2000, quando a internet já desaconselhava investimentos em papel no Reino Unido, um empresário russo comprou o jornal inglês The Evening Standard, em grave crise financeira, examente por isso: para ganhar respeitabilidade.

É um jogo antigo.

Na biografia semioficial de Octavio Frias de Oliveira, está publicado um episódio revelador. Nabantino, o antigo dono da Folha, estava desencantado porque se julgara traído pelos jornalistas que fizeram a greve de 1961. (Meu pai era um deles.) Decidiu vender o jornal. Um amigo comum de Nabantino e Frias sugeriu que ele comprasse. “Dinheiro você já tem da granja”, ele disse. “O jornal vai dar prestígio a você.” Na biografia, a coleção de fotos de Frias ao lado de personalidades mostra que o objetivo foi completamente alcançado. Um granjeiro não estaria em nenhuma daquelas fotos.

Sendo um negócio, o jornalismo não está acima do bem e do mal. É natural que prevaleçam, nele, as razões de empresa. Essas razões podem coincidir com as razões nacionais – ou não. Observe o mais carismático – não necessariamente o melhor ou mais escrupuloso – empresário de jornalismo da história do Brasil, Roberto Marinho, da Globo. Quem garante que o que era melhor para ele era o melhor para o país? Roberto Marinho era tão magnânimo a ponto de pôr os interesses nacionais à frente dos pessoais?

Como a sociedade não elegeu empresas jornalísticas, seus donos não têm que dar satisfação a ninguém sobre coisas como o uso dão ao dinheiro que retiram. Se decidem vender o negócio, nada os impede. Essa é a parte boa de você não ter um vínculo ou uma delegação direta da sociedade. Não existem amarras burocráticas para seus movimentos. Mas você não pode ficar com a parte boa e dispensar a outra – a que não lhe garante tratamento privilegiado apenas por ser da imprensa. Liberdade de expressão não é um conceito que tenha valor em si e sim dentro de um contexto. Na Inglaterra, você não pode publicar um artigo que exalte o terror islâmico, por exemplo. Mesmo no célebre Speaker’s Corner – o canto no Hyde Park tradicional por abrigar qualquer tipo de manifestação de gente que suba num caixote ou numa escada – se você louvar Bin Laden é preso assim que pisar no chão.

No Reino Unido, a mídia é acompanhada, como toda indústria. Há, por exemplo, um órgão regulador independente para a tevê e para o rádio, o Ofcom. A independência é vital. Se o Ofcom fosse manipulado por interesses políticos, seria um problema e não uma solução. Também não prestaria para nada se fosse controlado pelas próprias emissoras. Em poucas atividades há tanta autocomplacência como na auto-regulamentação. Outro fator relevante no acompanhamento da mídia entre os britânicos é a existência de grupos de pressão como o Mediawatcher, uma associação de espectadores que esperneia sempre que acha oportuno.

É curioso que não haja nada desse tipo no Brasil. As pressões do público são desogarnizadas, como vimos, por exemplo, no movimento que sugeriu a Galvão Bueno calar a boca.

Jornalismo é um negócio como todo outro. Apenas, em vez de vender sabão, você vende notícias e análises. Isso dá prestígio – mas não pode dar imunidade. Um modelo de acompanhamento semelhante ao britânico – em que não exista manipulação política do governo, como acontece em ditaduras – seria um avanço para o Brasil. Não se pode confundir acompanhamento com censura: os brasileiros ainda têm clara na memória a agressão ao noticiário sofrida na ditadura militar, e sabem o que aconteceu em países como a Rússia. Mas nada disso pode servir de impedimento para uma discussão adulta que eventualmente conduza da auto-regulamentação para uma regulamentação independente nos moldes da britânica.

Há dois grandes desafios aí. Um é vencer a resistência da mídia em sair da área de conforto da auto-regulamentação. Devem prevalecer aí não os interesses particulares e sim os do país. O outro é neutralizar a tentação dos governo de tomar a si um acompanhamento que só faz sentido se for genuinamente independente.