quinta-feira, 5 de maio de 2011

Ação dos EUA viola direito internacional

Artigo do Janio de Freitas na Folha de hoje.

JANIO DE FREITAS

Gerônimos

À parte direitos humanos, a ação dos EUA está acusada de numerosas violações do direito internacional

A RÁPIDA REVIRAVOLTA na versão oficial que não durou mais de 30 horas, sobre as circunstâncias da morte de Bin Laden, é um fato raro e nos leva a uma dívida promissora: a única explicação para as sucessivas correções, por diferentes integrantes do governo dos EUA, é uma decisão imposta pelo temor ou a certeza de que os meios de comunicação terminariam por desmoralizar as palavras oficiais. Inclusive as do próprio presidente Barack Obama. WikiLeaks e uma pequena parte do jornalismo merecem o crédito.
Não única, essa causa provavelmente maior não nega a disposição de Obama, implícita na reconsideração, de preferir a honra pessoal ao cinismo com que George Bush se valeu de mentiras, mesmo depois de demonstradas como tais a seu país e ao mundo. Mas nega a tradição histórica, muito praticada pelos Estados Unidos desde seus primórdios, da falsificação de motivos por governos, e respectivos comandantes militares, para os seus atos de imoralidade bélica.
Exemplo ressaltado pela história é a anexação da Áustria pela Alemanha de Hitler, em represália a uma inventada provocação na zona de fronteira. O pequeno Vietnã do Norte foi massacrado pelos bombardeiros B-52 durante anos em represália a um ataque seu, inexistente, a navio da marinha americana no Golfo vietnamita de Tonquim. Ou, ainda inacabada, a invasão do Iraque com a mentira da arma nuclear de Saddam Hussein, mesmo que já negada pela inspeção da própria agência especializada da ONU.
O nome-código dado a Bin Laden para a comunicação de sua morte à Casa Branca -Gerônimo- não suscitou curiosidade até agora. Mas sua escolha tem significações ricas.
Não é nome de brancos nem de negros americanos, em tempo algum. É nome indígena. Foi o nome de um dos mais ou o mais bravo chefe a resistir, e vencer muitas vezes, às tropas que conquistavam terras da América do Norte para os colonizadores com o genocídio dos habitantes originais. Gerônimo foi transformado em objeto de ódio branco que lhe deu lugar destacado na história das guerras dos Estados Unidos listadas pelo Departamento de Defesa.
Chamar Bin Laden de Gerônimo foi injustiça com o dono autêntico do nome, mas o conceito de justiça parece aplicar-se, no episódio atual, apenas às afirmações de Obama e de Bush, segundo os quais a morte do terrorista fez justiça. A Comissão de Direitos Humanos da ONU, entre outros pronunciamentos relevantes, não concorda: "As Nações Unidas enfatizam que todos os atos contra o terrorismo devem respeitar o direito internacional". À parte direitos humanos, a ação dos Estados Unidos está acusada de numerosas violações do direito internacional.
Sem ir mais longe, por desnecessário, o que fizeram as entidades internacionais e potências responsáveis pela aplicação do direito internacional quando, por exemplo, a URSS invadiu o Afeganistão, e os Estados Unidos invadiram o Iraque, o Panamá, Granada, o Vietnã, o Laos, sem dar confiança à ONU e em violação flagrante do direito internacional? Entre as nações dominantes, o direito internacional é matéria de transações. Acontece mais uma vez. E assim será, não se imagina até quando.

Licença para matar

Excelente artigo na Folha de hoje sobre o assassinato de Bin Laden.

RICARDO MELO

Licença para matar

SÃO PAULO - Não será do dia para a noite que se terá acesso ao que realmente ocorreu no esconderijo do terrorista Osama bin Laden. Mas até a imprensa americana, que desde a Guerra do Golfo trocou o jornalismo pela "embedagem" ao governo, desconfiou do anúncio hollywoodiano da Casa Branca, versão democrata das "armas de destruição em massa" da era Bush.
Os lances épicos da violenta troca de tiros, da mulher usada como escudo, da resistência feroz deram lugar a um enredo bem mais prosaico. Provavelmente houve uma execução, e ponto. Tal descrição não comporta nenhum juízo de valor.
Bin Laden e quem se engaja no terrorismo e no fanatismo religioso têm consciência que o risco de morrer faz parte do (mau) negócio. O prontuário de crimes do chefe da Al Qaeda apontava para este final.
Mas incomoda, para dizer o menos, aceitar como natural a baboseira de Obama e dos europeus, para os quais a "justiça foi feita".
Como assim? Os EUA invadem um país, fuzilam um inimigo sem julgamento, jogam o corpo do sujeito no mar e estamos conversados. Tudo isso depois de se valerem de "técnicas coercitivas de interrogatório", eufemismo para tortura com afogamentos. E ainda vem a ONU, candidamente, dizer que "é preciso investigar" se o direito internacional foi desrespeitado.
A lógica política da operação Geronimo é a mesma que preside a intervenção seletiva nos conflitos na África e no Oriente Médio. Gaddafi, o ex-amigo, agora é inimigo, então chumbo nele e na família. Já na Síria não é bem assim, tampouco no Iêmen e na Arábia Saudita -azar de quem nasceu rebelde por ali. Mais uma vez, os EUA tratam o planeta como quintal, e usam a ONU de plateia para as "rambolices".
Que Obama, um político comum, comemore o ganho de popularidade às vésperas da batalha pela reeleição, é compreensível. Já o resto do mundo dito civilizado assistir a tudo com tamanha complacência apenas sinaliza o que está por vir.