quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Religião para ateus - uma resenha

É curioso como de tempos em tempos sempre aparece alguém que faz algo de maneira inusitada. É um talento que pode construir catedrais, descobrir uma vacina, desvendar leis da natureza ou até mesmo fazer jogadas geniais em um campo de futebol. Pode ser um exagero da minha parte, mas gosto de colocar o filósofo suíço Alain de Botton nesta categoria. Há tempos acompanho seus livros e documentários (no marcador filosofia deste blog você poderá encontrar muitos textos baseados em suas explicações). E o que faz Alain de Botton de tão especial? Ele é claro nos seus ensinamentos, didático, bem articulado e vê a filosofia não como algo inatingível para seres mortais como eu e você. Ao contrário, ele traz para o nosso cotidiano pensatas de antigos filósofos que nos ajudam a compreender as nossas angústias nesta agitada vida moderna.
     Neste seu caminho inusitado, Alain lançou recentemente Religião para ateus (editora Intrínseca). O livro é de leitura fácil, como é de praxe em seus trabalhos, mas sem cair no superficialismo. Ele tem a habilidade de abordar conceitos complexos ou ideias sofisticadas com uma naturalidade como se tivesse conversando com amigos em um almoço.
     E a proposta da obra é bem instigante. Alain analisa as religiões e procura encontrar aspectos que possam ser adaptados com sucesso em uma vida secular. A angústia dele é que a religião de uma forma ou de outra supre com muita competência necessidades interiores de cada ser humano. O problema é que se você é um ateu, como o autor,  qualquer menção à igreja é logo vista com desdém. E desta forma essas pessoas se distanciam de valores morais e filosóficos importantes. Como ele explica, "as religiões conseguiram combinar teorias sobre ética e metafísica com um envolvimento prático em educação, moda, política, viagem, hospedaria, cerimônias de iniciação, edição de livros, arte e arquitetura - uma gama de interesses que eclipsa a extensão de conquistas até mesmo dos maiores e mais influentes movimentos e indivíduos seculares da história".
     A partir deste mote ele vai costurando seu livro em capítulos como Comunidade, Gentileza, Educação, Ternura, Pessimismo, Perspectiva, Arte, Arquitetura e Instituições. Em cada seção ele surpreende o leitor com análises de como a religião foi competente para influenciar cada um destes aspectos abordados e as dificuldades que a vida secular mostra em dar respostas com a mesma eficiência.
     Um dos casos analisados é sobre a educação. Botton afirma que no início do século 19 havia o "sonho de que a cultura pudesse ser tão efetiva quanto a religião em sua capacidade de guiar, humanizar e consolar". Em vez de usarmos passagens bíblicas nos ensinamentos morais, chamaríamos as máximas de Marco Aurélio ou as óperas de Wagner já que as "lições éticas da religião se espalham pelo cânone cultural". Mas isso não deu certo. E por que? Botton tem uma teoria interessante. Para ele as "universidades conquistaram uma competência sem paralelos na transmissão de informação factual acerca de cultura, porém elas permanecem de todo desinteressadas em treinar estudantes para usá-la como repertório de sabedoria". Em outras palavras, como viver não faz parte do currículo escolar.
     Botton propõe uma solução para corrigir este problema. As universidades precisariam alterar seu currículo não mais para que os alunos acumulassem informação, mas usar o conteúdo cultural para iluminar a vida deles em vez de estimulá-los a atingir objetivos acadêmicos. Desta forma, "os romances Anna Karenina e Madame Bovary seriam alocados em um curso sobre tensões do casamento...Uma universidade interessada nas verdadeiras responsabilidades dos artefatos culturais dentro de uma era secular estabeleceria um Departamento de Relacionamento, um Instituto de Morrer e um Centro para o Autoconhecimento".
     Tudo isso pode dar a impressão de ser uma grande viagem do autor. No entanto, a partir deste exercício de imaginação vemos de maneira objetiva, muitas vezes cruel, como é cada vez mais premente repensar  como recebemos e distribuímos o conhecimento. E como estas falhas nos distanciam de valores éticos e morais e do necessário autoconhecimento. Itens fundamentais para termos uma vida melhor, como as religiões sempre souberam e foram tão eficazes ao longo dos milênios em nos ensinar. Enquanto este novo mundo de Botton não surge, termino a leitura imaginando se não valeria a pena olhar com menos preconceito para este aspecto das religiões e encontrar o conforto necessário que este mundo moderno e tecnologicamente avançado nos nega.

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