segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Os famintos

De todo o  Sermão da Montanha esta frase talvez seja a mais enigmática: "Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos" (Mateus 5:6). Na transcrição mais coloquial da Bíblia da CNBB, "Felizes os que têm fome e sede da justiça, porque serão saciados.". O que Jesus quis dizer com isso? E lá fomos nós atrás de informações que pudessem elucidar este enigma.
      Uma possível chave é olhar pelo lado reverso da questão, ou seja, a injustiça. E neste quesito o nosso planetinha azul é bem pródigo. Podemos sofrer injustiças em muitos níveis. Em nosso dia a dia, por exemplo, encontramos terreno fértil para a falta de justiça nas relações comerciais, na convivência com colegas de trabalho, vizinhos e familiares. Muitas vezes ficamos perplexos e impotentes para reagir a uma situação negativa como essa.
     Recorrer à Justiça em qualquer parte do mundo não é garantia de ser atendido. Invariavelmente você precisa ter bons advogados para conseguir ser competitivo neste mundo do direito. E para isso você precisa de dinheiro para pagar os honorários. Quem não tem uma reserva financeira, fica ao relento e com uma causa perdida.
     Outra forma de injustiça é a acumulação de riqueza nas mãos de uns poucos privilegiados. Uma grotesca concentração de renda. Um dos vários indicadores nessa área mostra que a renda média dos 20 países mais ricos do mundo corresponde a 37 vezes a renda dos países mais pobres. Outra afronta são os valores pagos a presidentes de empresa que muitas vezes passam das 200 vezes o menor salário. Fora os bônus obtidos de forma suspeita como a crise de 2007 escancarou para o mundo. Empresas quebradas que artificialmente manipulavam suas contas para parecer que havia lucro em vez de prejuízo e assim garantir um polpudo pagamento extra no final do ano.
     E devemos ficar passivos vendo tanta injustiça? Apesar de não podermos fazer muita coisa, precisamos manter este espírito de inconformidade. Afinal, felizes os que têm fome e sede de justiça, como falou Jesus. No livro, Bem-aventuranças - caminho para uma vida feliz, o monge Anselm Grüm explica que todos nós precisamos lutar para sempre fazer o que é certo. "Tal batalha pode ser cansativa, mas também torna felizes aqueles que, do fundo do coração, se comprometem com a causa", afirma Grüm.
     Ele alerta, porém, que o desejo por justiça aqui na Terra permanecerá incompleto. No entanto, citando o antigo teólogo místico Gregório de Nissa, a procura por justiça vai tornar o ser humano interiormente satisfeito. E da busca incessante surgirá a experiência do que é bom, do que é certo, de como viver, e se esforçar por uma vida feliz.
     Para quem espera alguma punição para os causadores das injustiças, o Espiritismo traz um alento. No livro, Os quatro sermões de Jesus, o autor Paulo Alves Godoy afirma que "os que se tornaram instrumentos das injustiças, serão defrontados com duros revezes espirituais" quando desencarnarem. Pela lei de causa e efeito, deverão reparar o que fizeram em vidas futuras sob a forma de expiação.
     Seja como for o importante é ter uma vida correta e justa e lutar para que o nosso mundo seja um pouco menos injusto. Daí vem a bem-aventurança.


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