Biografia mostra os dilemas e angústias do codificador do espiritismo
durante o trabalho de revelar a nova doutrina ao mundo
durante o trabalho de revelar a nova doutrina ao mundo
A história de Allan Kardec, francês que há 156 anos colocou
no papel as instruções dos espíritos e organizou a doutrina espírita, merecia
ser resgatada e contada com uma roupagem mais moderna. O jornalista Marcel
Souto Maior estava com esta ideia na cabeça desde que escreveu As Vidas de Chico Xavier, que
posteriormente serviu como base para o filme a respeito do mítico médium
mineiro.
A tarefa era não só apresentar este francês nascido em Lyon,
em 3 de outubro de 1804, mas desvendar o homem por trás do mito. Contar,
prioritariamente, o intenso período de 13 anos em que Kardec, um cético assim
como Marcel, compreendeu a importância da comunicação dos espíritos, iniciou o
trabalho de codificação que resultou em cinco livros e arregaçou as mangas para
consolidar e defender a recém-nascida doutrina.
Graças a isso, o perfil que emerge de Kardec, a Biografia é o de um homem com angústias e dilemas,
centralizador e envolvido em desgastantes embates.
- Queria entender a transformação do professor cético a
missionário de campanha. O que deu a ele tanta certeza sobre a existência e
influência dos espíritos? A biografia é a história desta conversão. Uma saga
pontuada por altos e baixos, com razão e emoção, surpresas e decepções, fraudes
e revelações”, explicou o jornalista à imprensa no lançamento da obra.
A biografia aponta ainda que, assim como o famoso médium
brasileiro, o precursor do espiritismo teve seu tempo totalmente tomado pelas
demandas vindas do outro lado do véu. Os benfeitores espirituais não brincam em
serviço e exigem dedicação total de seus parceiros encarnados.
Mas pelo menos os amigos no invisível são sinceros e avisam
antes o tamanho da missão de cada um dos escolhidos.
- Caberá a você organizar e divulgar uma nova doutrina,
capaz de revolucionar o pensamento científico, filosófico e religioso. Não
esqueças que podes triunfar, como pode falir. Neste último caso, outro te
substituirá...Previno-te que a tua missão é rude e não vai bastar publicar
alguns livros e ir para casa. É necessário que te mostres no conflito,
esclareceu o Espírito da Verdade, o mentor que iria acompanhar e auxiliar
Kardec na longa caminhada em direção à nova doutrina.
Da mesma forma como Chico, Kardec topou o desafio. Em 1856,
aos 54 anos, o professor Hippolyte Léon
Denizard Rivail iniciava a jornada de transformação que o levaria a se tornar
Allan Kardec.
Pelas páginas escritas por Marcel, as mesas girantes, os
diversos e controvertidos espetáculos mediúnicos na época, as irmãs Fox e os
casos de materialização ganham vida. O leitor é transportado para aquele
efervescente meio do século 19. Percebe ainda como a manifestação dos espíritos
era assunto popular na sociedade francesa.
No entanto, o que para muitos era apenas diversão, para
Kardec aquelas ações estranhas e, de certo modo, incompreensíveis, sugeriram
algo a mais:
- Todo efeito tem uma causa. Todo efeito inteligente tem uma
causa inteligente. O poder da causa corresponde à grandeza do efeito, analisava
Rivail após observar com espanto as comunicações dos espíritos por meio das
mesas girantes e das pancadas que respondiam às perguntas dos encarnados.
A biografia acompanha as conversas iniciais de Kardec com os
espíritos. Apresenta quem foram as
primeiras médiuns que ajudaram o professor no contato com a espiritualidade, já
que o codificador não possuía esta habilidade mediúnica.
No livro, a história é contatada de forma linear e objetiva,
sem ser laudatória. Marcel mostra com muitas informações recolhidas de suas
pesquisas e quatro viagens a Paris as angústias e temores de Kardec pelo
tamanho e complexidade da tarefa que tinha pela frente.
Um dos medos do francês era ser enganado pelos espíritos.
Daí a obsessão de fazer a diversos médiuns e espíritos as mesmas perguntas e
garimpar a concordância das respostas. Afinal, para ele, era melhor rejeitar 10
verdades a publicar uma mentira.
- Observar, comparar e julgar, essa a regra que
constantemente segui, dizia o racional Rivail.
Além de apresentar o Espírito da Verdade, mas sem revelar
sua identidade, o autor da biografia faz uma interessante contextualização das
outras entidades que colaboraram com Kardec, como São Luis e Erasto, de
importantes médiuns, como a jovem Ermance Dufaux, e de personalidades da época
que também mantinham seus contatos com o além, como o escritor Victor Hugo.
A biografia traz ainda o lado centralizador e obsessivo de
Kardec. Temeroso em colocar a recém-nascida doutrina em perigo, ele decidia
sozinho não só o que iria publicar nos livros, mas também como a sociedade
espírita fundada por ele deveria agir. Dentro do mesmo princípio, ele mesmo era
quem respondia as polêmicas surgidas, editava praticamente sozinho a Revista
Espírita e ainda encontrava tempo para despachar a volumosa correspondência.
Justamente por ser um controlador nato, Kardec temia pelo
futuro da doutrina quando desencarnasse. Marcel aponta as preocupações do
codificador em saber quem seria o seu sucessor. Os espíritos, contudo, não revelaram
o nome. Apenas diziam que esta pessoa já existia.
Marcel resolveu também criar este suspense no leitor e não
menciona em nenhum momento a obra de Léon Denis, outro francês e que foi a
grande referência à doutrina espírita após o falecimento de Kardec, ocorrido em
31 de março de 1869. Com sua oratória envolvente e livros que explicavam de
forma didática o espiritismo, Denis consolidou os princípios da doutrina e a
duras penas unificou o movimento.
Curiosamente, um mês depois que Denis desencarnou, em 12 de abril
de 1927, Chico Xavier, aos 17 anos, fazia o primeiro contato com o espiritismo.
Em junho, ele fundava o centro espírita Luiz Gonzaga, em Pedro Leopoldo, e, em
8 de julho, o médium mineiro participava de sua primeira psicografia. Enquanto
a doutrina ganhava alento no Brasil, perdia força e ímpeto na França.
Apesar de não expor estes fatos no texto, Marcel traz outros
casos curiosos, como a revolta das primeiras médiuns que levou ao rompimento
com Kardec por não terem os nomes publicados no Livro dos Espíritos. Ilustra
ainda o surgimento de cada um dos exemplares do Pentateuco espírita e detalha as
diversas polêmicas em que Kardec e o espiritismo estiveram envolvidos na época.
Uma história envolvente e que em breve deverá também ser atração nos cinemas.
Ficha técnica
Livro: Kardec, a
Biografia
Autor: Marcel Souto Maior
Editora: Record
Número de páginas: 322
Autor: Marcel Souto Maior
Editora: Record
Número de páginas: 322