quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Religião para ateus

Um dos filósofos atuais que mais gosto é o suíço Alain de Botton. Quem acompanha este blog sabe que em  muitos posts menciono as ideias dele. É só clicar no marcador filosofia para ver alguns destes textos. Um deles, Schopenhauer e o amor, é um dos mais acessados por aqui. Gosto dele porque ele é simples, direto e sem afetação em suas explicações. E o melhor de tudo: foca a filosofia no dia a dia das pessoas. Tenta trazer respostas para nossas angústias, medos, amores, raivas, inseguranças etc. É a filosofia usada para melhorar o nosso interior e para que possamos viver com mais tranquilidade. Os espíritas chamariam isso de reforma íntima e usariam os ensinamentos de Jesus como norte. Botton é ateu e usa os filósofos para ir nesta mesma direção.
     Ele esteve no Brasil por esses dias para o lançamento do livro Religião para Ateus, que ainda não tive a oportunidade de ler, mas em breve vou fazer isso e postar algumas considerações por aqui. Bom, o interessante é que ele concedeu uma entrevista para a revista Exame que gostaria de compartilhar com vocês. Um bate papo com boas perguntas e ótimas respostas. Coloquei a íntegra abaixo. Espero que gostem.


“Nós somos uma espécie ingrata”, diz filósofo Alain de Botton

Em entrevista a EXAME.com, o filósofo do cotidiano falou sobre o desejo de status e o paradoxo do sucesso material

São Paulo – Sem frases altamente complexas ou raciocínios muito abstratos, o filósofo suíço Alain de Botton expõe as ideias que tem construído ao longo de quase duas décadas de carreira. Ele popularizou a filosofia com seus livros, focado nos problemas do cotidiano e sempre recorrendo a uma bagagem de diversos pensadores e artistas.
Uma delas é “Como Proust pode mudar sua vida” (1997), onde o autor usa os ensinamentos de Marcel Proust para ajudar o leitor em campos como o amor, o sofrimento, a felicidade, a arte e a amizade. Já na obra “Desejo de Status” (2004), Alain de Botton fala sobre a ansiedade de ter status e riqueza, e da frustração que isso causa, quando o sucesso não é alcançado.Nesta semana, de Botton veio ao Brasil para participar do ciclo de palestras Fronteiras do Pensamento e para lançar sua obra mais recente, “Religião para Ateus” (2011). No livro, ele fala sobre os ensinamentos que as religiões podem dar mesmo àqueles que não possuem uma crença. Antes, o filósofo escreveu outras nove publicações que foram best-sellers.
Diferentemente da ambição, que é uma vontade de crescer para satisfação pessoal, o “desejo de status” se origina da preocupação com o que os outros vão pensar. As consequências podem ser várias, desde a riqueza até o suicídio. É exatamente sobre esse assunto que o filósofo falou a EXAME.com. Confira trechos da entrevista.
EXAME.com: De que depende a felicidade no trabalho?
Alain de Botton: 
Felicidade no trabalho é muito complicada. Eu acho que ela basicamente depende de algo dentro de você. Algo precioso e importante, uma habilidade, um talento, um interesse sendo conectados com algo no mundo que gera dinheiro. Na maior parte do tempo, as coisas pelas quais a gente realmente se importa não fazem dinheiro. E as coisas que fazem dinheiro nos matam por dentro. Nós não gostamos de fazê-las. Esse é o problema do capitalismo. A maior parte do dinheiro no mundo moderno é gerada em empresas que não são tão interessantes para nosso espírito, para nossas mentes
EXAME.com: As pessoas estão mais infelizes com suas carreiras e seu trabalho atualmente em relação às gerações de décadas atrás?
de Botton:
 Esse é definitivamente o caso em que quanto mais você espera da vida, mais a vida tem que dar, do contrário, você fica infeliz. É o paradoxo do sucesso material. À medida que a sociedade fica mais bem sucedida, as expectativas das pessoas aumentam e, por isso, elas ficam ingratas sobre coisas que seus pais ou seus avós ficariam muito agradecidos. Nós somos uma espécie ingrata. Nós sempre pensamos naquilo que nós não temos. Não se trata de não tentar conseguir mais, mas, na medida em que tentamos conseguir mais, nós deveríamos sempre lembrar que isso vai entregar apenas uma pequena porcentagem da felicidade que nós imaginamos. Nós devemos estar prontos para isso.
EXAME.com: O senhor diz que meritocracia não é 100% eficiente. Na sua opinião, há um modo melhor de avaliar as pessoas e suas competências, que possa reduzir o “desejo de status”?
de Botton: 
Nós deveríamos sempre tentar criar um mundo meritocrático, um mundo onde, se você tiver talento e energia, você deveria conseguir subir. O problema é que nós devemos sempre reconhecer que isso é um sonho do mundo perfeito. Porque todos nós somos mais talentosos, mais interessantes, mais habilidosos do que o mundo poderá saber, que nós poderemos saber um dia. O sonho é a gente poder pegar tudo que é bom em nós e fazer dinheiro com isso. Isso é uma coisa que apenas 0,001% da população pode um dia fazer. Nós precisamos reconhecer isso, falar sobre isso e nos entristecer com relação a isso, juntos, em uma sexta-feira à noite após o trabalho.
EXAME.com: As redes sociais, como Facebook e Twitter, que permitem que as pessoas se tornem webcelebridades, aumentam o “desejo de status”? O que o senhor pensa sobre esse assunto?
de Botton:
 As redes sociais oferecem às pessoas uma maneira de ter status fora do sistema financeiro. Porque muita gente acessa o Twitter, por exemplo, não por dinheiro, mas simplesmente porque elas gostam de ter outras pessoas ouvindo o que elas querem falar e respondendo a elas. Isso mostra uma coisa muito interessante sobre a natureza humana, que é que, mesmo que nós gostemos de ganhar dinheiro, no final do dia, ainda mais importante do que dinheiro, depois de um momento básico, é o amor. Nós queremos o amor do mundo.
EXAME.com: No Brasil, tem havido um aumento do número de ateus e agnósticos, segundo levantamentos recentes. A falta de fé pode tornar mais difícil lidar com o “desejo de status”?
de Botton:
 Eu sou um ateu, então eu não acho que a resposta seja nós nos voltarmos para a fé. Mas, sim, quando a religião declina, certas coisas realmente pioram do ponto de vista dessa ansiedade. Mesmo um rei, no Cristianismo, fica de joelhos diante de Jesus. Essa é uma ideia muito bonita e, uma vez que você se livra de Jesus, o que você tem? O que vai ser maior do que a humanidade? O perigo é: nada. O perigo é nós pensarmos “nós somos fantásticos. Nós temos Steve Jobs, que inventou o iPad”.
Nós nos adoramos e isso nos leva à loucura. Nós precisamos de momentos em que podemos fugir do narcisismo humano e olhar para outros lugares. É por isso que as pessoas hoje estão mais impressionadas com a natureza. Não é apenas uma questão ambiental, é também uma questão psicológica. Você olha para a natureza e pensa: isso é uma coisa que existe fora da humanidade. E ela é maravilhosa, porque ela não pensa em nós, assim como animais, árvores, estrelas, até mesmo crianças pequenas. Esses são exemplos de coisas que estão fora do sistema do dinheiro, fora do sistema do status, e elas são muito, muito relaxantes e necessárias para nossa alma.
EXAME.com: O senhor também diz que ninguém é independente e auto-suficiente. Onde é possível encontrar ajuda e conselhos para lidar com nossos problemas, dúvidas e ansiedade?
de Botton:
 Bem, o interessante é que o mundo moderno, onde nós temos tanto de tudo, que é tão bom em dar-nos carros, roupas e todo resto, quando diz respeito à nossa vida interior, a ajuda é quase como a Rússia nos tempos comunistas. É muito, muito má. O modelo mais sistemático que existe para a vida interior é provavelmente a psicoterapia, que no Brasil e no resto é ainda uma coisa menor. Acho que precisamos de ajuda, e minha esperança é que os empreendedores do futuro não pensem apenas no corpo e suas necessidades, mas também pensem na mente e em suas necessidades.
EXAME.com: Quais são as possíveis soluções para o “desejo de status”?
de Botton:
 O maior inimigo nesta situação é a solidão, paranoia, a sensação de que estamos completamente sozinhos. É muito vergonhoso sentir o “desejo de status”. Ele não é algo que você pode realmente admitir, não é fácil admitir a inveja de alguém. E, ainda assim, a inveja é enorme. Eu acredito que nós precisamos de alguns mecanismos para admitir isso, nós precisamos de amizades que são capazes de aceitar esse nosso lado, nós precisamos ser capazes de falar sobre isso.Todo problema é reduzido ao se falar sobre ele. E nós precisamos achar grupos de status que serão tolerantes e faça-nos sentir relativamente relaxados. No mundo moderno, nós somos jogados contra pessoas que realmente destroem nossa paz interior, suas ambições nos levam à loucura e, talvez isso não seja para nós. Talvez nós precisemos apenas perder alguns amigos. Meu conselho seria fazer alguns amigos e perder outros, para nos focarmos no que nós realmente queremos.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Os amáveis

Em nossa escalada pela montanha da elevação espiritual, na busca pela reforma interior, vamos hoje conhecer um novo degrau.  Quando Jesus fez o sermão da Montanha, uma de suas frases emblemáticas foi algo como felizes os amáveis, pois eles herdarão a Terra. No evangelho de Mateus (5:4), a frase literal seria “Bem-aventurados aqueles que são mansos, porque possuirão a Terra”. Um pouco mais para frente temos o seguinte versículo que complementa a frase acima (5:9): “Bem-aventurados os pacíficos, porque serão chamados de filhos de Deus”.
     Este degrau é um dos mais complicados para se alcançar, pois trata do combate aos sentimentos negativos mais comuns que temos, como a raiva, o ódio, o orgulho e a impaciência. Complicado porque neste mundo hostil em que vivemos não é nada fácil ser manso e pacífico. Sugere até uma irrealidade, como se tivéssemos que viver como Polyanas em um mundo cor de rosa.
     Porém, se pararmos para pensar um pouco percebemos que estes sentimentos negativos, por mais comuns que sejam, nos levam sempre ao desequilíbrio emocional. Por tabela, nos sentimos mal após a catarse. Neste momento, a razão que foi escanteada pela emoção, retoma o controle e nos mostra que aquela atitude não foi a mais adequada.
     Um padre da época primitiva da Igreja, quando o humanismo ainda era a tônica das mensagens eclesiais, percebeu que a chave para se ter o controle das emoções era a de treinar a busca incessante pela mansidão. Ou seja, era uma virtude que precisava ser adquirida. Nas palavras de Gregório de Nissa, “felizes aqueles que não cedem facilmente às moções da paixão da sua alma, mas que, por meio da moderação, preservam a calma interior; aqueles nos quais a razão, como uma rédea, freia os impulsos e não permite que a alma dispare descontroladamente em atos violentos”.
     Quem trilha este caminho com o coração e não apenas na aparência, pode conseguir mudanças interessantes no comportamento das pessoas com que interage, segundo diz o monge Anselm Grün. “Mansidão e amabilidade podem ter uma influência boa sobre a resistência dos colegas de trabalho....Ela (a mansidão) é como a água que amolece a pedra dura”.
     Anselm acredita que para conseguirmos chegar neste estágio precisamos primeiro ter compaixão interna. Ele ensina que pessoas que nunca estão satisfeitas consigo mesmas e, por tabela, com outros seres, jamais alcançarão a harmonia. O antídoto seria sermos menos rígidos com nós mesmos. Só assim teremos condições de estarmos em harmonia interior e com as demais pessoas. “O manso tem a coragem necessária para admitir tudo o que acontece em seu íntimo...Quando fica firme em sua mansidão, também no trato das pessoas, modificará a terra”.
     Para os espíritas kardecistas, o trecho  “herdarão a Terra” desta bem-aventurança teria o significado de que no futuro, quando nosso planeta deixar de ser um lugar de provas e expiações para se tornar um mundo de regeneração, os mansos e pacíficos, aqueles que cultivaram o amor e a caridade com o próximo, vão permanecer por aqui. Já as pessoas (espíritos) cujas vibrações estejam fora desta sintonia vão ser levadas para outro planeta e iniciarão nova jornada rumo à paciência e à mansidão.


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Bem-aventuranças: o sermão
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quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Os tristes felizes

No sermão da Montanha, Jesus segue o seu rosário de bem-aventuranças. Já mencionamos os pobres de espírito no post anterior. Agora, a frase encontrada no evangelho de Mateus (5:4) é “Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados”.  Uma versão mais moderna destas palavras seria algo como “Felizes os tristes, pois serão consolados”.
     De bate pronto, parece que estamos lidando com um Deus sádico que quer ver todos nós sofrendo. Isso não faz muito sentido se você acredita em uma divindade que nos quer bem, como Jesus cansou de pregar. Bom, se a leitura direta não é a mais adequada, qual seria então a interpretação apropriada?
     Se você for espírita, conhece a lei da ação e da reação, uma variação do carma. Simplificando, se em uma encarnação você foi uma pessoa que abusou de práticas pouco éticas e enveredou pelo mau caminho, na próxima você terá que fazer algum tipo de acerto de contas. Poderá, por exemplo, sofrer de alguma doença, viver sempre em dificuldades financeiras etc.
     Você vai padecer de tudo isso para ser testado a seguir em frente com resignação e sem tentar atalhos criminosos. Passando por essas provas com coragem e correção, você consegue melhorar, digamos, seu saldo cármico. Ou seja, você tem mais chances de sair do “Serasa espiritual”.
     Óbvio que seria mais fácil aceitar as pedras no caminho se soubéssemos que passamos por dificuldades nesta vida porque estamos pagando por males feitos no passado. Mas como desconhecemos isso, corremos o risco de levarmos esta prova para o lado negativo e seguir uma jornada não apropriada. É fácil ficar revoltado, perguntar por que comigo?, entrar em depressão  e até mesmo ir na direção do suicídio ou do crime.  Afinal, temos o tal do livre-arbítrio que nos permite escolher a estrada que queremos percorrer: a da dor ou a do amor.
     Por isso que a frase de Jesus diz que serão felizes os sofredores, pois serão consolados.  Estes vão passar por maus bocados na Terra, mas, se agirem corretamente, quando desencarnarem conseguirão se elevar espiritualmente.
     Na interpretação católica, a frase de Jesus ganha outra conotação, mas não muito diferente da dos espíritas na parte da resignação às dificuldades. O monge Anselm Grün, no livro Bem-aventuranças Caminho para uma vida feliz, explica  que “consolo é firmeza. Quem assume a tristeza em relação a sua vida não vivida, a suas carências e perdas, ganha nova determinação. Tem chão firme sob os pés. Consegue ficar forte em relação a si mesmo. Conquista uma posição sólida...e experimenta o apoio de Deus, que fica ao seu lado e o sustenta para que, vencendo  suas fraquezas, possa entrar em contato com o seu verdadeiro ser...”
     Portanto, diante dessas interpretações, nada de muitas lamúrias frente às dificuldades já que você pode estar pagando por um saldo negativo de vidas passadas e/ou se fortalecendo para alcançar a paz interior.

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