quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Compreendendo Jesus 2

É só falar de religião que o assunto repercute. No post anterior fiz algumas observações sobre a necessidade de se interpretar as palavras de Jesus, porque os seus termos não eram suficientemente claros. Recebi alguns e-mails polidos questionando essa minha afirmação. No geral, o resumo das alegações é que o Novo Testamento, assim como a Bíblia, é uma obra divina. Ou seja, o que está escrito lá é algo emanado por Deus. Portanto, não nos caberia questionar a clareza ou não das palavras que constam neste livro sagrado.
     Compreendo e respeito essas afirmações. No entanto, temos que ter em mente que às vezes a interferência humana pode dificultar um pouco a comunicação. Causar ruídos indesejáveis na compreensão. Por exemplo, não sabemos se Jesus falava mesmo daquela maneira ou se suas palavras foram ajeitadas conforme o estilo do escriba que relatava seus feitos.
     Devemos levar em consideração que se jornalistas de hoje cometem erros de interpretação ou mesmo de dados factuais quando escrevem uma matéria, imaginem há dois mil anos quando alguns dos autores dos evangelhos nem foram contemporâneos de Jesus ou demoraram mais de décadas para registrar as andanças do mestre por este planeta.
     Lucas, por exemplo, não foi um dos discípulos e consta que sofreu influências de Paulo, de quem teria sido contemporâneo. Seu evangelho pode ter sido escrito perto do final do século 1, ou seja quase 100 anos depois do surgimento de Cristo. Os verbos no condicional mostram apenas que não há certeza de nada nesta história porque não existem registros históricos confiáveis.
      Alguns estudiosos acreditam que Lucas se baseou também no evangelho de Marcos, um discípulo de Pedro, portanto outro que esteve bem distante da época de Jesus. Sobra Mateus, este sim discípulo e que teria escrito seu relato uns 50 anos depois da morte de Cristo. Mas até aqui há dúvidas se Mateus foi o autor mesmo. João, outro discípulo, compôs sua obra quase um século depois.
     Por isso não é de se estranhar que existam algumas diferenças de relato entre os evangelhos. No exemplo que dei no post anterior,  Mateus diz "bem-aventurados os pobres de espírito". Lucas não menciona espíritos e diz apenas "bem-aventurados os pobres". Para complicar ainda mais, em determinado momento da história a igreja resolveu uniformizar os evangelhos. Este trabalho coube a Jerônimo, que depois viria a ser santo e padroeiro dos bibliotecários e tradutores. Ele verteu os evangelhos do grego para o latim e definiu o material que deveria constar ou não. O concílio de Trento, realizado no século 16, aprovou oficialmente este conteúdo como o Novo Testamento.
     Portanto, tem muita mão de gato nesta história e não dá para ter certeza de que as palavras de Jesus foram, em sua maioria, transcritas corretamente, inclusive no estilo de falar. Aí entra a fé de cada um. De qualquer forma, podemos afirmar com alguma segurança, já que este é um dos únicos consensos entre os estudiosos do assunto, que poderíamos resumir todos os ensinamento de Jesus em uma só palavra: amor. É o que basta e já é um grande desafio se pautar por esta ideia. Ou alguém acha fácil amar e perdoar seus inimigos? Ou quem nunca sentiu raiva, inveja e mágoa?  Amar o próximo como a si mesmo é o nosso norte. O desafio é perseverar nesta direção.

Leia também
Por parábolas
Bem-aventuranças: o sermão
Os pobres de espírito
Os tristes felizes

0 comentários: