domingo, 10 de junho de 2007

Epicuro e a busca da felicidade

Continuo devorando o livro As Consolações da Filosofia, de Alain de Botton. Estou no capítulo dedicado ao filósofo Epicuro (341 a.C). Ele viveu boa parte da vida em Atenas e fundou uma comunidade, digamos, alternativa. Era um grupo de amigos que compartilhava uma casa modesta no subúrbio, fazia plantação de subsistência e passava horas discutindo filosofia.

No entanto, Epicuro leva a fama de ser o autor da idéia de que temos que aproveitar as boas coisas da vida. Conceito que evoluiu de maneira equivocada para comer e beber do melhor; morar em casas confortáveis e luxuosas; vestir-se com requinte... Mas não era nada disso que ele pregava!

O filósofo acreditava que só uma vida em torno de amigos, com liberdade e reflexão traria a felicidade. No primeiro caso, nas palavras de Botton, "...O desejo de possuir riqueza talvez não deva ser sempre entendido como ânsia por uma vida luxuosa. Um motivo mais importante talvez fosse o desejo de ser admirado e bem tratado. Podemos almejar a fortuna como o único objetivo de assegurar o respeito e a atenção de pessoas que, em outras circunstâncias, nos desprezariam. Epicuro, ao discernir nossa carência subjacente, reconheceu que um punhado de bons amigos sinceros poderia prover o amor e o respeito que mesmo a riqueza não pode".

Já a liberdade, para Epicuro, é não ter que se submeter a trabalhar com pessoas de quem não se gosta ou conviver com chefes e suas ordens. Por isso, o filósofo e seus amigos optaram por uma vida mais simples, porém que se afastava deste modelo de dependência a terceiros. Fundaram a comunidade alternativa "Jardim" e conseguiram uma vida equilibrada. Para Botton, " a simplicidade não afetava o senso de status quo dos amigos porque, ao se distanciarem dos valores de Atenas, deixaram de julgar a si próprios segundo bases materiais. Não havia necessidade de constrangimento diante de paredes nuas e nenhum benefício em exibir a posse de ouro. Entre um grupo de amigos que vivia afastado do centro político e econômico da cidade não havia - no sentido financeiro - nada a provar"

Finalmente, Epicuro considerava a reflexão como a terceiro pilar para a busca da felicidade. Na reflexão você consegue combater a ansiedade. O filósofo acreditava que "quando anotamos um problema ou verbalizamos em uma conversa, permitimos que seus aspectos essenciais venham à tona. Uma vez identificado seu caráter, eliminamos, se não o problema em si, pelo menos as características secundárias que o agravam: confusão, indecisão, perplexidade".

Portanto, para Epicuro, ter dinheiro não quer dizer, necessariamente, ter felicidade. Sem amigos, liberdade e uma vida baseada na reflexão, "jamais seremos verdadeiramente felizes. E. se temos tudo, com exceção do dinheiro, jamais seremos infelizes... " . Alain de Botton faz uma reflexão genial na seqüência: "Por que, então, somos tão fortemente atraídos por coisas caras, se elas não podem nos trazer alegrias extraordinárias? ...porque objetos caros podem parecer soluções plausíveis para necessidades que não compreendemos. Os objetos imitam, em uma dimensão material, aquilo de que necessitamos no plano psicológico. Precisamos reorganizar nossas mentes, mas somos seduzidos por prateleiras repletas de novidades. Compramos um cardigã de caxemira como um substituto para conselho de amigos".

Claro que não é fácil escapar do consumismo. Epicuro alertava para o perigo das opiniões vãs. Seriamos influenciados pelo meio que nos cerca (amigos, publicidade, cidade etc), o que causa uma enfatização ao luxo e à riqueza. " A prevalência de uma opinião vã não é uma coincidência. Faz parte dos interesses do mundo dos negócios que esta hierarquia natural de nossas necessidades (amizade, liberdade e reflexão) seja desvirtuada, para a promoção de uma visão material do bem e uma desvalorização do que não pode ser comprado. E a maneira de nos seduzir é estabelecer uma associação astuciosa entre os artigos supérfluos e nossas outras necessidades esquecidas (por exemplo, propaganda de um jipe = a liberdade)".

Prossegue Botton, "...A publicidade não seria tão vitoriosa se não fôssemos criaturas tão sugestionáveis. Cobiçamos coisas que nos são apresentadas vistosamente...Lucrécio (filósofo grego) lamentava a maneira pela qual aquilo que desejamos é escolhido mais por influência da opinião alheia do que pelo que nos revelam nossos sentidos. Proliferam imagens atraentes de produtos e locais suntuosos, e pouco se fala de ambientes e pessoas comuns. Recebemos pouco incentivo para tomar em consideração recompensas modestas: brincar com uma criança, conversar com amigos, uma tarde ao sol, uma casa limpa, um pouco de queijo sobre uma fatia de pão fresco. "

Enfim, viva uma vida mais simples. O que nos custa apreciar uma tarde ensolarada de outono? Andar com o cachorro, tirar um tempo para conversar com amigos, tomar sorvete de mãos dadas com a pessoa amada...Com este pensamento vamos em busca de algo mais profundo e menos epidérmico e ainda ajudamos a tornar a vida em nosso planeta mais sustentável. Afinal, com tanta coisa boa e de graça oferecida pela natureza, por que incentivar o consumismo que, no final das contas, está destruindo Gaia?

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