quinta-feira, 7 de junho de 2007

O pensamento socrático

Vivemos em tempos midiáticos em que a percepção vale mais do que a razão. Há uma constante (de)formação da opinião pública a partir de depoimentos na imprensa de pessoas acima de qualquer suspeita. Personalidades que muitas vezes usam argumentos com a profundidade de um pires, mas que ao ser dita junto com outros, torna-se, na visão do cidadão desavisado, algo sensato e que deve ser seguido.

Por exemplo (prometo que não será o mote principal deste post), para a mídia e nossa elite econômica e política, Hugo Chávez é um ditador. Não importa que ele tenha sido eleito pelo voto direto e que tomou todas as decisões dentro de um ambiente reconhecidamente democrático. Isso não importa. O fato é que ele é um déspota e tudo o que ele representa ou faz tem que ser achincalhado. Isso faz com que a população comece a ter idéias preconcebidas e acabe aceitando a percepção negativa. Uma ou outra voz se levanta contra este raciocínio, mas são gotas no tsunami midiático.

Vocês que acompanham este blog sabem que estou afundado em leituras filosóficas. Pois bem. Comprei o livro de Allain Button, As consolações da Filosofia, que depois serviu de base para o documentário Filosofia para o dia-a-dia, já abordado neste blog. O primeiro capítulo trata do raciocínio socrático e como o pensamento comum de uma sociedade muitas vezes não passa por um exame banal de lógica.

A cada página que ia lendo percebia que muitas das coisas que vemos hoje, como o exemplo citado acima, cabem como uma luva no pensamento de Sócrates e o que ele tanto procurou revelar à sociedade ateniense. Claro que este tipo de questionamento lógico incomoda muita gente e destrói as percepções que parte da elite quer passar para o resto das pessoas. Justamente por causa disso, o filósofo grego foi acusado, julgado e condenado a morte...

Em homenagem a Sócrates, que nos empresta a frase Só sei que nada sei, reproduzo alguns trechos do livro de Botton para que vcs também tirem suas conclusões e reflitam sobre quais idéias, opiniões, conceitos tentam nos empurrar goela abaixo diariamente e como nos proteger desta lavagem cerebral.

"...mas não é apenas a hostilidade alheia que pode nos impedir de questionar o status quo. Nosso desejo de levantar dúvidas pode ser salpicado por uma sensação íntima de que as convenções sociais devem ter bases sólidas, mesmo se não sabemos discernir exatamente que bases seriam estas pelo fato de terem sido adotadas por tantas pessoas há tanto tempo. Parece implausível que a nossa sociedade esteja profundamente equivocada em suas crenças e, ao mesmo tempo, que seríamos os únicos a perceber este fato. Reprimimos nossas dúvidas e nos incorporamos ao rebanho porque não conseguimos nos imaginar pioneiros na tarefa de desvendar as verdades desconhecidas e dolorosas...

...Se evitamos questionar o status quo, é principalmente porque - à parte o clima e o tamanho das nossas cidades - associamos o que é popular com o que é certo. O filósofo descalço (Sócrates) levantava um número incontável de questões para determinar se o que era popular fazia ou não sentido...

...Outras pessoas podem estar erradas, mesmo quando ocupam posições importantes, mesmo quando estão advogando crenças adquiridas durante séculos por uma vasta maioria. E a razão é simples: estas pessoas não submeteram suas crenças ao crivo da lógica...Para ressaltar a peculiaridade de sua passividade (ao senso comum) comparou o ato de viver sem raciocinar de maneira sistemática à pratica de uma atividade como a olaria ou a confecção de sapatos sem que se adotem ou mesmo se conheçam as técnicas necessárias para tal. Ninguém jamais iria imaginar que um vaso ou um sapato bem-feitos poderiam resultar apenas da intuição; por que, então, supor que a tarefa mais complexa de se gerir a própria vida poderia ser executada sem qualquer reflexão contínua e sistemática sobre suas premissas e objetivos?

Talvez porque não acreditamos que o ato de gerir nossas vidas seja na realidade complicado. Determinadas atividades difíceis parecem muito difíceis vistas à distância, enquanto outras igualmente difíceis parecem muito fáceis. Ter concepções corretas sobre como viver recai na segunda categoria, fazer um vaso ou um sapato, na primeira...

...O método de Sócrates de examinar o senso comum é observável tanto nos primeiros diálogos de Platão quanto nos chamados diálogos da maturidade e, porque ele segue passos coerentes, pode sem injustiça ser apresentado na linguagem de um livro de receitas ou de um manual, e aplicado a qualquer conceito que alguém foi solicitado a aceitar ou se sente inclinado a contestar. A correção de uma afirmativa não pode, segundo sugere o método, ser determinado pelo fato de ser ou não aceita por uma maioria ou pelo fato de ser seguida há muito tempo por pessoas importantes. Uma afirmativa correta é aquela que não dá margem a ser racionalmente contestada. Uma afirmativa é verdadeira se não se pode ser invalidada. Se puder, não importa o número ou a posição social das pessoas que nela acreditam, ela deve ser falsa e nós estamos certos em duvidar dela."

Não acabou ainda. Voltarei ao nosso filósofo Sócrates em posts futuros.

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